Com as criancinhas, há um jogo que só é possível enquanto não atingirem um mínimo de inteligência – tapamos a cara e dizemos “Não está cá!”; a seguir destapamos a cara e dizemos, com um sorriso alarve: “Está, está!” (Mais propriamente “Tá, tá!”). Nunca experimentei fazer esta brincadeira com adolescentes, mas imagino a preocupação que causaria a alunos, encarregados de educação e chefias escolares relativamente à minha sanidade mental ou ao meu evidente consumo de álcool e/ou estupefacientes.
O chamado acordo ortográfico (AO90) faz o mesmo com a sociedade. Somos tratados como crianças ou como adultos com baixíssimo quociente de inteligência.
As imagens publicadas mais acima têm menos de um minuto de diferença (do excelente documentário Pretend it’s a City, de Martin Scorsese, com Fran Lebowitz, na Netflix) . A mesma palavra aparece escrita, nas legendas, de duas maneiras diferentes: veredicto e *veredito. O C não está cá! Está, está! Que fofo!
Ortografia? Não propriamente – apenas grafia, regresso à Idade Média, em que a mesma palavra podia aparecer com grafias diferentes no mesmo documento.
Isto foi ontem. E depois de amanhã, quando um aluno fizer o mesmo num exame? Não interessa – se a ortografia tivesse importância, o AO90 não teria sido aprovado.
Segundo o Dicionário da Academia, o C é mudo; de acordo com o Dicionário Fonético do ILTEC (o ILTEC, senhoras e senhores!), o C é articulado em toda a lusofonia (o ILTEC ainda não inclui a Guiné Equatorial, o que é revoltante). A Infopédia e o Priberam anunciam a possibilidade de dupla grafia, porque são instrumentos ao serviço da medievalidade ortográfica.